quinta-feira, 17 de outubro de 2013

O SOM É O ECO DO MOVIMENTO

SOBRE O SOM E O SILÊNCIO


De uma forma poética, penso que o som é o eco do movimento.

Não há som sem movimento, o que faz com que ele seja totalmente dinâmico na sua essência.

Não há instantâneos sonoros; um som, uma vez produzido, liberta-se da fonte e, de uma forma promíscua, combina-se e altera-se durante todo o seu percurso. Todos os que partilham o mesmo espaço são imersos na sua influência.

Segundo Steven Connor1, o som transforma o espaço destruindo e libertando os seus limites, num todo fluido e esférico em expansão. " o Eu definido em termos acústicos, em vez de visuais, é um Eu imaginado, não como um ponto mas como uma membrana, não como uma imagem, mas como um canal através do qual, vozes, ruídos e músicas viajam".


E o silêncio?

Será a ausência de som?

Decerto que, da forma como o sentimos, o silêncio é algo muito agradável, de ouro, dizem uns. Mas que silêncio é este?
Comparo o silêncio a uma página em branco, em cima da qual se poderão juntar outros sons. Essa página não é totalmente branca, assim como o silêncio não é absoluto.

Medido em decibéis de pressão acústica, para baixo dos 30dBA’s estamos em silêncio. E estes 30 dBA’s? São ruídos vários a que nos habituámos desde que nascemos, como o ruído do movimento de rotação da Terra.

Há uma câmara anecóica nos Orfield Laboratories, US, com um grau de absorção de 99.99%, e uma pressão acústica de -9.4dBA, que é considerada o lugar mais silencioso do Mundo, segundo o Guinness Book of Records.
A experiência mostrou que o máximo que um ser humano já aguentou lá dentro foi 45 minutos. E para tal, teve de estar sentado!


No silêncio total, começamos a ouvir o nosso coração, os nossos pulmões e vísceras. Ouvimos o sangue a circular pelas artérias e veias. Posteriormente surgem alucinações visuais. É insuportável para o ser humano.

Os astronautas treinam em câmaras como esta para se habituarem ao silêncio.

O silêncio que tanto apreciamos pode estar recheado de vento, cantos longínquos de pássaros ou água a correr lá no fundo, tal como há vários tons branco numa folha de papel. Assim, há uma infinidade de tipos de silêncio.

É, no fundo, um conjunto muito especial de sons, num volume especialmente agradável e propício ao nosso bem estar.

1. Steven Connor "The Modern Auditory I" p. 206

SOUND IS THE ECHO OF MOVEMENT

ABOUT SOUND AND SILENCE

  
In a poetic way, I think that sound is the echo of movement.

Without movement, there is no sound, which makes its essence absolutely dynamic.

There are no sound snapshots; a single sound, once born, frees itself from its source and in a promiscuous way, blends and changes throughout its whole course. Everyone who shares the same space is immersed in its influence.

According to Steven Connors1, sound transforms and frees space, tearing apart it’s borders, creating a fluid whole and a spherical dimension. “The self defined in terms of hearing, rather than sight, is a self imaged not as a point, but as a membrane; not as a picture, but as a channel throughout which, voices, noises and musics travel”.

And what about silence?

Is it the absence of sound?

Certainly, in the way we feel it, silence is something very pleasant, is golden, some say. But what kind of silence is this?
I’d compare it to a blank page, on top of which sound can be added. However, the page is not absolutely white, as this kind of silence is not absolute silence.

Measured in sound pressure levels, under 30dBA’s we are in silence. So what about those 30 dBA’s? It’s a cocktail of sound we are used to since we were born, including the Earth’s rotation sound.

There is in an anechoic chamber at Orfield Laboratories, US, which is 99.99% absorbent, with a sound pressure level of -9.4dBA, making it the quietest place on Earth, according to the Guinness  Book of Records.

An experiment showed that the human being that lasted longer inside it only bared it for 45 minutes. And he had to be sitting down!


In total silence, we hear our heartbeat at first, then our lungs and our stomach. Then, our blood through our veins. After a short while we start seeing hallucinations. It’s unbearable to the human being.

Astronauts train in chambers such as this one to be prepared for periods of silence.

The silence we love so much is full of distant birdsong, wind, water flowing, as there are many tones of white in blank sheets of paper.

It is, in the end, a very special cluster of sounds, at a very agreeable volume, favoring our well-being.


1 Steven Connor “The Modern Auditory I” p. 206


3 comentários:

  1. Este texto está interessante! Aliás, espelhado - a grosso modo - há duas décadas no Silence do John Cage (o livro. Não a obra musical, se lhe quisermos chamar assim...); essa ideia de que não existe silêncio enquanto existirmos nós.
    A título de curiosidade, a EVE Audio tem uma câmara anecóica nas suas instalações em Berlim e que tenciono visitar recentemente. Eles próprios já me disseram que se eu quiser apreciar mais a experiência, o ideal é aparecer lá em jejum para ouvir os roncos internos do corpinho, qual Godzilla a pedir umas frankfurters! Vai ser interessante.
    Abraços.
    A. Toscano

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  2. Muito interessante! Gosto desta abordagem de engenheiro músico afectada pela outra face de músico engenheiro! Ou será ao contrário?
    Fez-me pensar que decididamente não devemos ter sido desenhados para os extremos, e nem quero pensar para fora das fronteiras que são o nosso universo familiar. Fez-me pensar que a discussão de géneros musicais, da qualidade musical, da riqueza interpretativa é tão mais específica e fina do que aquilo que concebo. Fez-me pensar que quem tenha impossibilidade fisiológica de captar ou sentir o som a partir do sistema auditivo, se calhar tem essa folha de uma cor diferente e apesar de tudo sente vibrações... Valeu!

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  3. Muito interessante. partilhei para o meu mural fb (via Jorge Pereirinha Pires). Vou permanecer atento.
    Paulo Da Silva Ferreira

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